No contexto bilíngue, devemos esperar que professores e crianças falem somente em inglês?
Para ajudar-nos a refletir sobre a resposta a esta pergunta, neste artigo você saberá mais sobre a produção de inglês esperada em sala de aula na educação infantil, o conceito de comunicação, a importância de priorizá-la e as ferramentas que contribuem para que ela seja eficaz.
Desafios de falar inglês na sala de aula
Como professores que ensinam inglês como segunda língua, enfrentamos frequentemente situações desafiadoras, como:
- A explicação de conceitos e procedimentos, se não for concisa e objetiva, pode levar o aluno a perder o interesse e a atenção.
- Alunos menos proficientes podem se sentir intimidados pelos mais fluentes e, por insegurança ou receio de exposição, fechar-se, o que atrasa o seu progresso.
- Professores com fluência limitada podem transmitir modelos incorretos aos alunos.
Nosso papel é servir como modelo, oferecendo input ao mesmo tempo em que buscamos garantir a compreensão dos alunos. Cada palavra que falamos está diretamente vinculada à produção linguística das crianças. Falamos em inglês com a expectativa de que elas respondam na mesma língua.
No entanto, manter uma comunicação exclusivamente em inglês na sala de aula pode apresentar alguns desafios. Para reduzir as frustrações de expectativas não alcançadas, é preciso entendermos o que está ao alcance delas.
O que é a produção esperada de inglês na educação infantil?
No que diz respeito aos objetivos de competências e habilidades na educação infantil, contamos com o respaldo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que oferece um excelente suporte. No entanto, para crianças muito pequenas, não existe um guia brasileiro específico para objetivos linguísticos em língua inglesa. Há, contudo, um documento criado para avaliar alunos que têm o espanhol como primeira língua nos EUA, o WIDA. Embora existam nele descritores de “can-dos”, ele, por si só, não é suficiente para desenvolver objetivos linguísticos em nosso contexto, e exige adaptações. Ambos os documentos, no entanto, são valiosos como referências para avaliação e reflexão.
Tanto a BNCC, quanto o WIDA apresentam similaridades, como esperar que as crianças demonstrem compreensão por meio de gestos, balbucios e movimentos; recontar histórias com ajuda de ilustrações; apontar para figuras e objetos quando solicitados; participar de trocas com colegas, etc. No entanto, é importante ressaltar que a efetivação desses objetivos depende significativamente do estágio de desenvolvimento da criança e da forma como a comunicação se estabelece para que eles sejam atingidos.
Neste ponto, é fundamental nos questionarmos: o que caracteriza a comunicação?
Afastando-se de uma explicação singela de que comunicação é, por exemplo, o resultado de duas ou mais pessoas conversando, podemos afirmar de forma mais objetiva que comunicar é estabelecer compreensão mútua, ato que envolve a presença de um emissor e um receptor. O emissor transmite a mensagem utilizando códigos, que podem se manifestar por meio de palavras, símbolos e gestos, entre outros, enquanto o receptor interpreta e decifra essa mensagem.
Para continuarmos esta reflexão sobre comunicação, também precisamos alinhar nossos entendimentos sobre educação bilíngue.
O que realmente significa educação bilíngue?
“Educação bilíngue é — Qualquer sistema de educação escolar no qual, em dado momento e período, simultânea ou consecutivamente, a instrução é planejada e ministrada em pelo menos duas línguas”
(Hamers e Blanc, 2000)
O nome já diz. É bi-, não monolíngue. Cada pessoa tem uma maneira de compreender e assimilar palavras novas, e sabemos que quanto mais contextualizadas elas estiverem, melhor. Todavia, podemos, sim, utilizar nossa língua materna como apoio para fazer conexões e facilitar a compreensão e memorização.
Há pouco tempo, acreditava-se na compartimentação dos idiomas em nossa mente, ou seja, que as línguas que falamos ficavam armazenadas em nosso cérebro de forma isolada. Essa ideia, porém, adota uma visão monolíngue que considerava o aprendizado e utilização das línguas como obstáculos entre si. Em contraposição a essa perspectiva, teorias mais recentes propõem que as línguas não se conflitam, mas sim formam um repertório complexo e biográfico, influenciado por necessidades, experiências e interações linguísticas. Nessas abordagens, compreende-se que as línguas não representam um obstáculo entre si mesmas, mas são, sim, elementos integrantes do repertório complexo do sujeito.
Leia mais sobre isso em nosso artigo “Alfabetização e ensino bilíngue: como esse processo acontece?”
De uma forma mais sucinta: tudo o que ouvimos e aprendemos se torna parte do nosso repertório e do nosso acervo. Você não acha injusto desconsiderar todas essas experiências que trazemos conosco que podem servir como apoio para nos comunicarmos melhor?
Ainda no contexto do enriquecimento do repertório linguístico, para que as crianças ampliem suas habilidades na língua inglesa, é imperativo proporcionar-lhes experiências de contato efetivo com o idioma. Essa imersão pode ocorrer por meio de atividades como música, desenhos e histórias. No entanto, enquanto educadores, também desempenhamos um papel como modelos e exemplos. Assim, se nos comunicarmos exclusivamente em português, não estaremos atingindo nosso objetivo primordial, que consiste em expor as crianças à língua adicional de maneira eficaz. Portanto, é fundamental nos atentarmos não apenas ao conteúdo, mas também à nossa pronúncia e entonação ao conduzir as atividades linguísticas.
Além disso, podemos avançar. Nas nossas aulas de inglês, frequentemente nos concentramos exclusivamente nos aspectos formais do idioma, como gramática, vocabulário e ortografia. Portanto, é crucial questionarmos:
Qual a melhor forma de expandir o repertório linguístico das crianças?
Baseando-se num dos artigos científicos de Cláudia Rocha, professora doutora de Linguística Aplicada da Unicamp, é possível afirmar que é importante que o ensino promova não apenas o desenvolvimento linguístico, mas também contribua para o crescimento intelectual, físico, emocional e sócio-cultural das crianças. Isso nos leva a compreender que o papel formador do ensino de língua estrangeira, está estreitamente ligado à meta de facilitar o desenvolvimento integral da criança.
Dessa maneira, a educação em sua totalidade, incluindo o ensino de línguas adicionais, é um processo cíclico. Assemelha-se a um ciclo contínuo, que se constrói, se reconstrói e, por vezes, ajusta-se em dimensão, conforme as exigências específicas de cada aluno.
Portanto, é determinante adotarmos uma perspectiva empática ao nos colocarmos no lugar dos alunos, observando com atenção suas dificuldades e necessidades. Ao fazê-lo, devemos nos equipar com recursos adequados para estabelecer uma comunicação eficaz em inglês.
São eles:
- imagens (leia mais sobre isso em Leitura de imagens e cultura visual na educação);
- desenhos (leia mais sobre isso em O desenho como recurso fundamental na aprendizagem da língua adicional);
- objetos;
- gestos;
- expressões faciais e corporais;
- reformulação de palavras e frases em inglês;
- mediação de professor (paráfrases, perguntas que estimulem a reflexão ou o uso da memória, etc.);
- mediação de colegas — as próprias crianças podem ser recursos para nos fazermos ser compreendidos. Quando um não entende, o outro pode explicar. Trabalhamos, assim, a autonomia e a independência das crianças, que começam a aprender que elas são responsáveis pela interação também.;
- língua materna.
A língua materna proporciona conforto e segurança, e uma possível diminuição da ansiedade de se estar aprendendo uma língua adicional.
Se, ao utilizar a língua materna como recurso, a criança ou aluno for corrigido e informado que está errado, há o risco de cultivar um sentimento negativo em relação tanto à língua inglesa quanto à língua materna. Ambas as línguas são instrumentos válidos para a comunicação. É necessário lembrar-se de que as línguas não estão separadas em compartimentos isolados, e sua interação não é conflituosa. Pelo contrário, elas colaboram para formar o repertório linguístico do indivíduo.
Para incorporar a língua materna nas aulas, contudo, é preciso considerar que somos o principal meio de input linguístico de língua adicional para os alunos. Se utilizarmos a língua materna com frequência, a exposição à outra língua será significativamente reduzida.
Veja a seguir algumas situações nas quais podemos utilizar a língua materna:
- Quando a criança está triste, machucada ou irritada, por exemplo, a língua materna pode ser usada para acalmá-la e demonstrar empatia e estabelecer proximidade.
- Quando a criança tem conhecimento da resposta a uma pergunta, mas encontra dificuldades para dizê-la em inglês, a língua materna pode ser utilizada para demonstrar compreensão e comunicar a resposta ao professor.
- Nos casos em que a criança deseja compartilhar uma experiência ou informação real, mas seu inglês é limitado, a língua materna pode ser usada para comunicar a mensagem aos colegas e desenvolver relacionamento e proximidade.
Afinal, falar ou não falar 100% em inglês na educação infantil?
Considerando tudo o que vimos e refletimos em relação ao que é o ensino bilíngue, a comunicação, a produção esperada e as ferramentas de apoio à comunicação, podemos concluir que é possível e benéfico ao aprendente ter uma comunicação majoritariamente em inglês e que faça uso de recursos que auxiliem a compreensão. Ao fazermos isso, contribuímos para o desenvolvimento da fluência ao encorajar o pensamento em inglês desde as etapas iniciais, ampliamos a exposição dos alunos ao inglês e podemos fomentar a confiança e o desejo de aprender o idioma. Somos bilíngues, portanto não devemos demonizar a língua materna. As duas línguas podem e devem ser usadas.
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