O bilinguismo está rodeado de mitos e meias verdades. Por isso, é importante conhecer a opinião de especialistas e o que as pesquisas dizem em relação ao assunto.
“A ciência sugere que há muitas vantagens e a demanda por educação bilíngue está crescendo no mundo. As pessoas estão começando a perceber que começar cedo pode ser a melhor solução porque sabemos que, ao nascer, o cérebro humano é tão capaz de aprender duas línguas quanto de aprender uma.”
Dra. Naja Ferjan Ramirez
O bilinguismo no Brasil existe desde a época da colonização, e essa prática, cada vez mais adotada no mundo, vem transformando o modelo tradicional de ensino.
Nesse artigo, vamos sanar as principais dúvidas e indagações em relação ao tema que são de curiosidade dos pais e profissionais da educação. Trataremos do bilinguismo focado na atividade de aprender inglês como segunda língua, característico das escolas bilíngues, para crianças e jovens. Porém, os mitos e verdades apresentados aqui são válidos no aprendizado de quaisquer outros idiomas.
Bilinguismo para bebês faz a diferença?
“Aprender uma língua estrangeira é difícil. O cérebro humano é capaz de alcançar a fluência nativa em duas línguas ao mesmo tempo, e não precisamos sofrer para chegar lá. Então, o que devemos fazer para criar mentes bilíngues? Acho que um começo promissor é estudarmos os cérebros de quem é muito bom em aprender línguas: Bebês!”
Dra. Naja Ferjan Ramirez
A princípio, no estudo realizado pela Dra. Naja Ramirez, pesquisadora do Instituto de Aprendizado e Ciências do cérebro da Universidade de Washington – ILABS, foi descoberto que o cérebro dos bebês é especializado em processar os sons da(s) língua(s) que ele tem contato. Ou seja, bebês bilíngues são capazes de absorver tão bem dois idiomas quanto um bebê monolíngue processa um só.
“Como especialista em desenvolvimento linguístico infantil, frequentemente ouço pais ansiosos por oferecer a seus filhos a oportunidade de aprender outro idioma, mas eles não são falantes nativos daquela língua. Alguns acham que seu bebê pode aprender uma língua estrangeira assistindo televisão. Infelizmente, isso não ocorre. Bebês aprendem brincando por interações sociais com seres humanos ao vivo, usuários plenamente competentes e confortáveis da língua alvo.”
Dra. Naja Ferjan Ramirez
Além disso, o córtex pré-frontal do cérebro é uma parte que direciona a nossa atenção para alternar entre diferentes tarefas e pensar com flexibilidade. Os bebês bilíngues apresentaram uma atividade cerebral mais forte, especialmente nessa área, inclusive em resposta aos sons das línguas. Ramirez afirma que o interessante são as mudanças visíveis que ocorrem nas partes do cérebro relacionadas ao raciocínio flexível, em bebês de 11 meses de idade, antes mesmo de eles falarem.
Uma das explicações, segundo a pesquisadora, é que alternar constantemente entre dois idiomas diferentes exercita o cérebro, e isso fortalece as redes cerebrais que participam da alternância de atenção, o que oferece aos bilíngues um aumento cognitivo.
Portanto, a primeira dúvida trata-se de uma verdade, o bilinguismo para bebês realmente faz a diferença para a vida toda.
Bilinguismo atrasa o aprendizado de línguas?
Após essas observações, então por que não criamos os bebês para serem bilíngues?
Uma preocupação frequente é que o bilinguismo tornaria o aprendizado de línguas mais lento. Porém, não é o que as pesquisas dizem. Estudos mostram que os padrões do aprendizado bilíngue são, na verdade, muito parecidos com os do aprendizado monolíngue. Por exemplo, bebês bilíngues começam a produzir seus primeiros sons e também suas primeiras palavras na mesma idade que os bebês monolíngues.
Em palestra ao TEDx Talks, a Dra. Naja complementa: “Também sabemos que se dermos crédito às crianças bilíngues por cada palavra que elas sabem nas suas duas línguas, seu vocabulário é igual ou maior que o das crianças monolíngues”.
No entanto, realmente há crianças que apresentam atraso e dificuldade na aquisição e desenvolvimento da linguagem, pois possuem uma condição clínica chamada Distúrbio Específico da Linguagem (Specific Language Impairment).
Trata-se de uma dificuldade linguística em crianças normais, que ouvem, são inteligentes e compreendem de forma clara e adequada, e isso ocorre independente de quantas línguas estão sendo aprendidas no seu dia a dia. Essa condição pode ser confundida pelos pais que a atribuem ao bilinguismo, porém, a criança já apresentaria essa dificuldade em um ambiente monolíngue.
Em suma, afirmar que o bilinguismo atrasa o aprendizado de línguas é errado. Essa informação é um mito.
Bilinguismo causa confusão no desenvolvimento da fala?
Outro alvo de questionamento é que o bilinguismo poderia causar confusão. Isso vem do fato de que os bilíngues às vezes combinam as duas línguas na mesma frase ou na mesma situação. Isso se chama mudança ou mistura de código. Mas, será que essa prática realmente indica confusão? Estudos científicos respondem que não.
Crianças bilíngues, normalmente, sabem muito bem quando podem ou não misturar as línguas. Além disso, pesquisas mostram que até crianças de dois anos de idade adaptam a fala para combinar com a de seu parceiro de conversa.
“A questão é essa: mistura de códigos não é fácil. Requer muito conhecimento linguístico em ambas as línguas, assim como, ser capaz de entender como combinar esse conhecimento de forma significativa. Então, em vez de indicar confusão, a mistura de códigos é um sinal de sofisticação linguística. Também é um comportamento perfeitamente normal e esperado em crianças bilíngues e também em adultos bilíngues plenamente fluentes nas duas línguas.”
Dra. Naja Ferjan Ramirez
Sendo assim, a dúvida em questão se trata de mais um mito, quando dizem que o bilinguismo causa confusão no desenvolvimento da fala.
Bilinguismo é capaz de atrasar algumas doenças psicológicas?
Diversos estudos indicam que pessoas bilíngues apresentam um atraso significativo nos sintomas de algumas doenças, como Alzheimer, demência frontotemporal e demência vascular. No geral, os participantes que falavam ao menos duas línguas demoraram em torno de 4,5 anos a mais do que indivíduos monolíngues para o início dos sinais.
As pesquisas também revelaram que não houve maiores benefícios no aprendizado de mais de dois idiomas. Ou seja, nesse quesito, as vantagens do bilinguismo são os mesmos, independente do estudo de mais línguas. Da mesma forma, a escolaridade, sexo, nível de renda e saúde física também não afetaram os resultados.
Outra vantagem que vale ser citada, ainda no âmbito psicológico, é o efeito do bilinguismo na capacidade de atenção e memória. Segundo um estudo de pesquisadores da Universidade de Granada, na Espanha, um bilíngue ativa o mecanismo de atenção muito mais vezes do que o monolíngue e, assim, é mais apto a situações de tomada de decisão e condições de distração.
Uma pesquisa publicada pela Academia Americana de Neurologia, em 2011, concluiu que pessoas falantes de dois ou mais idiomas criam um efeito protetor da memória na terceira idade. E os benefícios só aumentam com a inclusão de novas línguas.
Portanto, concluímos que o bilinguismo é, sim, capaz de atrasar algumas doenças psicológicas e, mais do que isso, proporcionar vantagens cognitivas para a vida toda.
Para se aprofundar ainda mais no tema, vale a pena assistir à palestra “Creating bilingual minds” da Dra. Naja Ferjan Ramirez, autora das citações desse texto. A pesquisadora estuda o processamento cerebral da linguagem em crianças de zero a três anos de idade, com foco em bebês que estão aprendendo duas línguas simultaneamente. Você pode acessar o link aqui.
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