Existe aula de arte na educação infantil? O que é ou o que deveria ser arte na educação infantil? Afinal, o que queremos dizer com atividades de arte para a educação infantil?
Essas são perguntas que educadores que lidam com crianças nessa fase da vida deveriam se perguntar em algum momento. Essa reflexão é muito importante para que a Arte na escola seja ressignificada.
Stela Barbieri, artista plástica e consultora nas áreas de educação e arte, nos provoca dizendo:
“A arte não está reclusa no ateliê. Fazer arte ou estar em estado de arte/ateliê tem a ver com uma certa maneira de se relacionar com o mundo e o modo como estamos atentos a ele. O momento de invenção é um momento de presença e de atenção dedicada.” (BARBIERI, 2018, p. 253).
Percebam como ela nos convida a olhar para a Arte como forma de nos relacionarmos entre nós e com o que está a nossa volta e nos lembra que o momento da criação é quando estamos atentos e presentes. Na educação infantil, isso não seria diferente. Pelo contrário, também por meio da Arte as crianças se relacionam com seus pares e com o ambiente em que estão. E como isso acontece? Na divisão de materiais e espaços, na discussão sobre os processos e suas experiências, quando expressam o que pensam enquanto brincam e exploram objetos e materiais.
Se olharmos para documentos oficiais, não existe neles nada que nos remeta a uma “atividade de arte para educação infantil de acordo com a BNCC”. O que a BNCC nos traz são os direitos de aprendizagem (que aliás preveem o conviver que Barbieri nos instiga a olhar) e campos de experiências. E em ambas as partes, o que se procura é assegurar que as crianças aprendam em SITUAÇÕES nas quais desempenham um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los e construir sentidos a partir disso.
Então vocês devem estar se perguntando, se não existem atividades de arte para educação infantil, o que existe então? O que é isso que nós fazemos ou o que é que deveríamos fazer?
Ideias de arte na educação infantil
- Descentralização do professor: o professor ou professora deve planejar espaços, provocações e intervenções, mas quem deve pensar, criar, elaborar e decidir como explorar são as crianças.
- Deslocamento do uso tradicional de espaços, objetos e materiais: um papel colado debaixo da mesa oferece um novo ângulo, a mesa torna-se cavalete e permite que a criança desenhe deitada. Isso faz com que perceba novos movimentos, descubra as capacidades do seu corpo e desenvolva sua imaginação a partir do momento que vê um objeto do cotidiano deslocado para um uso não habitual.
- Escolha de materiais que aguçam sentidos: utilize materiais do cotidiano, que evoquem memórias e novas descobertas em relação ao seu uso e elementos da natureza. O que se pode fazer com uma simples caixa? Tampas podem virar suporte (o que suporta, sustenta, serve de sustentação para a obra de arte). Um pincel pode ser feito de folhas, uma escova de dentes também serve como pincel. Borrifadores, uma bisnaga de ketchup, tudo isso são convites a experimentos e potencializam o fazer artístico da criança.
- Reutilização: use e abuse de materiais reutilizáveis como embalagens, jornais e revistas.
- Explore a multissensorialidade: além de propor experimentação e criação com diferentes texturas, use materiais que tenham cheiro, como tintas naturais e atóxicas (de café, curcuma, beterraba) ou ainda que proponham experiências sonoras. Como seria desenhar com um chocalho? E um molho de chaves?
- Brinque com luz, sombra, reflexos e transparências: a que o papel celofane na lanterna nos convida? E desenhar com luz negra? E o que será que descobrem quando desenham no espelho? E quais efeitos diferentes materiais como tinta e canetinha têm no espelho?
- Utilize materiais de apoio para aproximar as crianças da arte: traga obras de arte e trechos de vídeos de artistas trabalhando para que vejam como se dá o fazer artístico. Quando o artista ganha mais vida, o “ser artista” deixa de ser algo abstrato.
- Não se prenda a convenções sobre o que é o desenho: evite prender-se a uma concepção de desenho como sendo uma única coisa. Quando observamos algo, ele nunca é igual ao que o outro observa. O traço de quem desenha é único. As nossas impressões sobre fatos e objetos são subjetivas e nossa forma de desenhar também é. Uma maçã pode ser de várias cores. Aliás, ela nunca é só vermelha. E ela pode ser de várias formas. A Arte vai nos convidar a descobrir que outras formas e cores ela pode assumir. E ela não é limitante. É fundamental termos isso em mente para ajudarmos as crianças que dizem que não sabem desenhar. TODO MUNDO SABE DESENHAR. Edith Derdyk, artista, escritora e formadora de professores, nos alerta para isso: “O desenho é linguagem que atravessa todos os tempos – das cavernas à informática – sempre esteve presente na História da Civilização. E, de todas as linguagens, é a mais antiga. Tal como a pantomima*, são linguagens nascentes. O desenho é linguagem inata: toda a criança, de qualquer tempo e lugar, desenha. Toda criança possui intimidade com o desenho como ponte de investigação, expressão e comunicação com o mundo. Existe uma proximidade imensa e natural entre o ato de desenhar e a ação corporal mais do que com o quê a criança deseja ou pensa em “representar”. Num primeiro momento do desenvolvimento da aquisição da linguagem do desenho, a criança é verdadeiramente o seu gesto, o seu traço, o seu movimento e o desenho é resultante desta ação, registrando o percurso do movimento do corpo no espaço do papel, na parede, em qualquer superfície.”
- Converse sobre os processos: este é um passo importante para que descubram porque um traço não deu certo. É nessa conversa que vão descobrindo que o movimento pode ser mais leve ou mais marcante, ou ainda que o material de repente não é o mais adequado para o resultado que esperavam. É a ocasião adequada para descobrirem o que é técnica, por exemplo. As trocas desenvolvem a linguagem, incentivam a pesquisa, a observação e a atenção (lembra-se do que Stela Barbieri nos contou lá no início do artigo?), auxiliam na escuta e na socialização. A conversa também estimula a desenhar, é mais um convite para experimentar, explorar e agir.
- Considere as múltiplas linguagens artísticas: o teatro, um espetáculo de dança e o circo também são linguagens. E as crianças precisam ter contato com elas. Diana Tubenchlak chama isso de “um modo multissensorial de habitar o mundo”.
Algumas perguntas que esses tipos de atividade de arte podem trazer para educação infantil
- Não tenho material suficiente na minha escola: a arte possibilita novas formas de enxergarmos objetos do cotidiano. Se faltar pincel tradicional, as crianças podem fazer, e inclusive propor, novos formatos de pincel. Muitas coisas podem se tornar materiais e suportes. Convide as crianças a pensar com vocês sobre isso e descobrirão muitas e muitas formas de criar.
- Não há espaço na minha escola para fazer essas coisas: já colocamos aqui uma sugestão para repensar o uso das mesas. Como é que podemos arrastar os móveis ou nos deslocarmos pelo espaço que temos? É um exercício e tanto para o nosso olhar. O pátio pode ser um bom lugar. Até as costas dos amigos podem servir de suporte e serem aproveitadas como ambiente/espaço/suporte
- Que artistas são apropriados para atividade de arte para educação infantil? Não existe uma obra de arte ou um artista específico para a faixa etária. O que existe é a forma de torná-los acessíveis às crianças. É lógico que obras que trazem cenas de violência ou outras imagens inapropriadas não devem ser trabalhadas na educação infantil. O que vai mesmo fazer a diferença para as crianças é a forma como são apresentadas a elas.
- Mas vai sujar. O que fazer se sujar? Vai sujar. Então é preciso criar um canal de comunicação com as famílias para que entendam os processos e saibam o que esperar. Pedir camisetas específicas para as propostas de arte ou aventais são um caminho. Com relação ao ambiente, é necessário levar em consideração o tempo de organização e limpeza do mesmo. Em certas propostas, contar com a colaboração das crianças para minimamente organizar os espaços faz parte do processo. É desta forma que vão valorizar o cuidado com o ambiente em que estão e vão respeitá-lo.
Bem, o que queremos dizer com atividade de arte na educação infantil? Queremos dizer que é um momento de brincar, explorar, conhecer outras possibilidades de olhar para as coisas e se locomover, interagir respeitando o outro e os espaços e descobrir que o mundo tem muitos caminhos para se trilhar. Porque, afinal, “em todo trabalho de arte na escola deveria haver exploração, pesquisa, transformação, pesquisa, combinação e descoberta de materiais. (Susana Rangel) “
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