Você sabia que em uma pesquisa com alunos com 15 anos de idade, que participaram do PISA em 2015, apenas 2,4% deles disseram ter interesse na carreira acadêmica, visando se tornarem professores?
Você sabia que 10 anos antes o índice de interesse era de 7,5%?
E você sabia que apesar disso, em 2016, participaram 1600 candidatos aos cursos de licenciatura no Enem (o que não é considerado um número baixo)?
É cada vez mais nítido que, com o tempo, a docência passou a ser uma profissão com baixa atratividade. E que, apesar desses números, quando olhamos a quantidade de candidatos à licenciatura nos vestibulares, o cenário é bastante diferente.
Ainda que a profissão de professor seja repleta de desafios e com baixa remuneração, considerando as exigências de formação, o fato é que o magistério no Brasil ainda representa uma grande oportunidade. Afinal, hoje em dia, nós temos quase 50 milhões de alunos na Educação Básica e cerca de 2,2 milhões de professores, o que representa um mercado bastante amplo.
Além disso, um dos grandes impulsos para que a procura pelo magistério ainda esteja alta se deve à multiplicação dos cursos superiores e à oferta em massa de diversas instituições que surgiram desde o início dos anos 2000.
Com isso, a formação de professores na atualidade, assim como em outras áreas profissionais, ficou bem mais acessível, em especial pelo método de EAD.
São diversos aspectos que permeiam os principais desafios da formação de professores no Brasil e que influenciam na compreensão do cenário em que se encontram. Confira a seguir algumas reflexões acerca da formação de professores no Brasil.
A avalanche do EAD e a qualidade da formação de professores
Nas áreas de pedagogia e licenciatura, o número de ingressantes chega a ser duas vezes maior do que em outros cursos, e a quantidade de alunos em EAD também já é maior do que na modalidade presencial.
A grande questão é, independente do método – presencial ou à distância -, os cursos estão preparando o futuro professor para lecionar numa instituição de ensino, principalmente em questão de metodologias e práticas de ensino?
Até o momento, falta ainda uma inovação no currículo. Grande parte da aprendizagem prática acaba acontecendo no dia a dia após a graduação. Discussões do conteúdo do componente curricular ainda prevalecem sobre as questões de conteúdo pedagógico. Ter o conhecimento sobre padrões de compreensão, quais erros os alunos estão propensos a cometer e assim, lidar com esses erros de modo que resultem em aprendizagem (ou seja, “aprender com seus erros”) é competência importantíssima para escolhas mais conscientes na atuação em sala de aula. Ainda se associa especialização em uma determinada área de conhecimento como receita para melhores resultados, quando isso é parcialmente verdadeiro. É preciso conhecimento da didática da área de conhecimento que em que se atua: qual raciocínio costuma surgir diante de determinado conteúdo, quais equívocos são esperados a partir daí, como antecipar e lidar com esses mal-entendidos – que tipo de informação esse entendimento traz para o docente e que atitudes pode se tomar a partir disso. Portanto, a grande maioria dos profissionais não chega preparada, ou mesmo segura, para atuar com os alunos em sala de aula.
Dentre outros problemas na formação de professores no Brasil, podemos, ainda, apontar o baixo rigor no acompanhamento dos estágios propostos pelo curso. É de conhecimento geral que a faculdade provê um embasamento teórico que será confrontado com a realidade (prática) e que a experiência profissional é adquirida na vivência deste processo cíclico: teoria – prática – avaliação. Os estágios apresentam essa oportunidade e quanto antes os graduandos puderem ser expostos à prática para refletir sobre experiência x fundamentações teóricas, melhor.
E, vale destacar, que embora o EAD seja uma tendência crescente e mostre um grande potencial, principalmente na formação de professores em tempos de pandemia, com crescimento exponencial ao longo dos últimos 10 anos, e também por conta dos atrativos valores, que chegam a espantosos 80% do valor de um cursos presencial, é preciso observar atentamente: se a instituição é credenciada e se há fiscalização, a qualidade do currículo e dos docentes do curso, métodos de ensino da universidade, quais tecnologias são usadas e que tipo de interação com os professores estão disponíveis durante a formação, ou seja, quanto tempo leva para ter suas dúvidas respondidas. De um lado da balança, o velho jargão “não é a escola que faz o aluno, mas o aluno que faz a escola” permanece válido, do outro, a consciência de que o ambiente tem um papel decisivo na aprendizagem – e é por isso que alguns países da América Latina, como Chile e Peru, não permitem a modalidade de ensino à distância para a formação de professores.
Oportunidade x Qualidade
Com cerca de 2,2 milhões de professores na Educação Básica e, em média, 1,7 milhões de alunos de licenciatura no Brasil, será que haverá espaço para todos esses novos profissionais no mercado educacional?
Apesar da alta demanda nos cursos EAD, menciona-se pouco o número de graduados. A verdade é que o número de graduados não corresponde proporcionalmente ao número de inscritos. Este é um dos temas que sempre causou preocupação no mercado de trabalho e que corresponde a um desafio na formação de professores, seja na graduação, na especialização, ou na atualização.
A qualidade da formação de professores é o único desafio que deveria fomentar as conversas dos educadores e, ideal ou não, o ambiente universitário é a porta de entrada para uma nova visão de mundo e da própria profissão.
Essa visão mais abrangente é fundamental para compreender os inúmeros cenários desafiadores com os quais os professores têm de lidar – e que começa pelo olhar para a própria profissão. Parte da desvalorização da profissão vem de uma falsa noção de que se sabe o que é ser professor porque, sendo alunos, convivemos com estes profissionais, e assim, sabemos o que constitui a docência.
Como aluno, porém, se observa apenas os aspectos superficiais do ensino, alheio ao planejamento, as habilidades e as tomadas de decisões. Decisões e estratégias que valorizam e atendem a diferentes alunos e diferentes propósitos. E, mais uma vez, isso requer uma formação mais simples em essência e complexa na contextualização, que problematiza, questiona, dialoga com a realidade de sala de aula e, por fim, valoriza a formação pessoal dos professores, que vai além das competências técnicas, incluindo dimensões éticas, valores, saberes cotidianos e interesses sociais.
Tarefa dificílima que não tem solução mágica e nem números robustos para apoiar a mudança. Sendo o conhecimento inacabado e infinito, há vários caminhos que nos levam à mudança, mesmo que lenta e gradativa. Além da mudança do currículo de graduação, há outras estratégias para desenvolver e formar professores: formação continuada para os docentes do mercado, incentivo a atualização de práticas e conteúdo, documentação pedagógica, registro dos pensamentos e observações docentes ao longo da jornada com os alunos.
BNCC e a valorização dos professores
A implementação da BNCC é recente, mas importante no panorama nacional. Com um olhar mais coerente às crianças, seu potencial e o que precisam, principalmente na educação infantil, e com objetivos de aprendizagem que norteiam o trabalho durante o ensino fundamental, a BNCC é um marco.
Em adição, pode-se dizer que a Base foi o primeiro documento que, de fato, levou em conta a opinião da classe docente, o que ressalta a importância dos professores e da classe se envolver nas políticas públicas.
Ainda nesse sentido, e ao falar da urgência de nos posicionarmos mais como classe profissional que luta e atua para as melhorias de nosso campo de atuação, é preciso mencionar as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Formação Inicial e Continuada de Professores de Educação Básica. Em seu artigo 6º, parágrafos V-X, diz:
Art. 6º A política de formação de professores para a Educação Básica, em consonância com os marcos regulatórios, em especial com a BNCC, tem como princípios relevantes:
(…)
V – a articulação entre a teoria e a prática para a formação docente, fundada nos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, visando à garantia do desenvolvimento dos estudantes;
VI – a equidade no acesso à formação inicial e continuada, contribuindo para a redução das desigualdades sociais, regionais e locais;
VII – a articulação entre a formação inicial e a formação continuada;
VIII – a formação continuada que deve ser entendida como componente essencial para a profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da instituição educativa e considerar os diferentes saberes e a experiência docente, bem como o projeto pedagógico da instituição de Educação Básica na qual atua o docente;
IX – a compreensão dos docentes como agentes formadores de conhecimento e cultura e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a conhecimentos, informações, vivência
e atualização cultural; e
X – a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte, o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
O documento é um ganho para a formação de professores. Explicita os pressupostos ao licenciado, atrela às propostas da BNCC ao trabalho docente e coloca a formação continuada como aspecto essencial à prática profissional. Ele é abrangente e assertivo na necessidade de uma comunidade escolar fraterna entre si e coloca a dimensão social do trabalho, envolvendo desde as famílias, como parceiras no processo educacional das crianças e alunos até o papel que as escolas têm na sociedade.
Em especial, menciona o trabalho de pesquisa e a divulgação de achados, incentivando o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas – ponto importante da formação, tanto inicial quanto continuada. Num breve resgate a tríade mencionada no início do artigo, teoria – prática – avaliação, a pesquisa é uma ferramenta importante porque ela articula esses três eixos: experimenta/analisa uma teoria na prática, buscando validação para uma determinada lógica e traz uma conclusão que, independentemente de ser confirmada ou refutada, resulta num novo olhar e novas práticas.
Ao valorizar o trabalho de pesquisa, valoriza-se pesquisadores, ciência e todos os achados e as propostas de inovação advindas de pesquisa. Fomenta a docência a caminhar mais curiosa e questionadora.
Outro tópico que merece destaque é o reconhecimento de que a formação de professores exige um conjunto de conhecimentos: conteúdos específicos da área do conhecimento a ser ministrado e conhecimentos educacionais e pedagógicos.
Como mencionado anteriormente, esse diálogo de saberes do que se ensina conversa com as considerações pedagógicas do conteúdo da área de conhecimento, com a didática da área. E nos ensina também o que é relevante para o cenário em todo percurso escolar, ou seja, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Isso porque ainda existe uma mentalidade predominante entre os docentes, e na sociedade de forma geral, de que o conteúdo teria menor importância no trabalho dos professores da Educação Infantil e que no Ensino Médio teria maior – o que é incorreto. Quando a gente defende a formação e o desenvolvimento profissional que engloba todo esse conjunto de conhecimentos da docência, se reconhece a importância do entendimento pedagógico de todo o processo. Embora um biólogo, por exemplo, seja capaz de entender um conteúdo o suficiente para ensiná-lo, o entendimento deste conteúdo não necessariamente o prepara para escolhas curriculares, pedagógicas, atuação em sala de aula e nem lhe dá compreensão sobre como o conhecimento é gerado dentro de sua disciplina.
Enfim, a formação de professores é um campo vasto de oportunidades. Como classe, precisamos nos engajarmos nas políticas públicas a fim de que as medidas que estão definidas sejam, de fato, implantadas e de melhor qualidade. Como escolas, temos de ter a formação continuada dos docentes como prática básica, essencial como é e abrirmos espaços para pesquisa, para inovação e a autonomia dos professores. Como docentes, precisamos reconhecer a grandiosidade da tarefa docente, a responsabilidade que ela traz e o entendimento que sendo o conhecimento infinito e não terminado, o trabalho é sempre de construção.
Aproveite para conhecer algumas metodologias e práticas escolares, principalmente para esse período de ensino híbrido, no nosso artigo sobre Aprendizagem Colaborativa: como engajar seus alunos. Vale a leitura!
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