A educação bilíngue, alvo de muitas dúvidas e vertentes teóricas, vai muito além da questão linguística. Discorrer sobre o seu real significado não é algo tão simples. Trata-se de um tema que envolve aspectos históricos, ideológicos, políticos, interesses pessoais e sociais.
Essas variações e questões complexas que permeiam o assunto refletem inclusive no entendimento do corpo docente e dos pais de alunos sobre como funciona a educação bilíngue, seus objetivos e orientações, tipos de programas e, inclusive, a sua eficácia.
Então, neste artigo, vamos abordar de forma clara e objetiva o universo da educação bilíngue e tentar minimizar ou mesmo sanar todas as suas dúvidas sobre o assunto.
A Educação Bilíngue
Assim como o bilinguismo ainda não possui uma definição concreta, o conceito de educação bilíngue também divide opiniões entre os especialistas quanto a algumas particularidades.
O fato é que a educação bilíngue não se trata do ensino de idiomas ou de uma prerrogativa da escola bilíngue, mas é sobre a utilização de uma segunda língua (L2) enquanto instrumento para desenvolver conhecimentos diversos. Portanto, não necessariamente começa na escola, mas pode ser desenvolvida no próprio convívio familiar, com os amigos, a sociedade, no trabalho, nos meios de comunicação, entre outras situações sociais.
Esse modelo de aprendizagem está relacionado à aquisição de um segundo idioma mediante práticas do cotidiano e/ou escolares, utilizando a L2 como um mecanismo de aprendizado, sem que essa segunda língua seja o objeto de estudo.
Dessa forma, nas escolas bilíngues,a segunda língua é usada como meio de instrução para outras áreas (ciências, matemática…), e o aluno passa por um processo de imersão, ampliando o seu repertório cultural. Diferente das escolas regulares e institutos de idiomas, onde, nesse contexto, o formato é focado essencialmente no ensino da segunda língua.
Em geral, a educação bilíngue no Brasil está ligada à educação dos povos indígenas e à aquisição de línguas de prestígio internacional (principalmente o inglês), conforme abordamos no nosso artigo sobre o surgimento do bilinguismo no Brasil. Além disso, tendo a Libras como língua oficial do nosso país, entra nesse cenário também a educação bilíngue para surdos.
“Se, por um lado, a escola brasileira quer preparar seus alunos para as realidades deste século, ela deve levar em conta o fato de que a diversidade cultural e linguística é a norma nas esferas local e internacional.”
Heloísa A. B. de Mello
(Professora Doutora da UFG)
Tipos de Educação Bilíngue
A seguir, veremos como o contexto social influi diretamente na educação bilíngue, levando-se em conta a história, ideologias e organização sociopolítica. Por isso, ainda não existe um consenso na literatura sobre qual o programa mais adequado para o ensino da segunda língua.
Existem diversos programas de educação bilíngue que se diferem pela sua abordagem, objetivos, características dos alunos, a divisão no tempo de contato com as línguas, práticas pedagógicas, entre outras circunstâncias.
De acordo com a especialista e autora de diversas obras sobre bilinguismo Nancy Hornberger, existem basicamente três modelos de educação bilíngue, sendo que cada um deles dá origem a vários tipos de programas de ensino bilíngue.
1º modelo: Transicional
Características: Perda da língua / Assimilação cultural / Incorporação social
Apesar de o termo educação bilíngue indicar duas línguas, muitas propostas pedagógicas são consideradas bilíngues pelo fato de atenderem populações multiétnicas, mas na verdade são monolíngues, pois utilizam apenas um idioma no processo de ensino.
Na educação bilíngue transicional, o uso das duas línguas se dá somente no início da fase de escolarização. É o caso de crianças imigrantes que se tornam bilíngues à medida que passam a adotar a nova língua e se integram ao sistema educacional local. Dessa forma, a língua minoritária é substituída gradativamente pelo idioma dominante da sociedade receptora. Quando totalmente integradas, essas crianças passam a ser monolíngues.
Segundo a Professora Doutora da UFG (Universidade Federal de Goiás) Heloísa A. B. de Mello, o programa de submersão ou imersão estruturada, por exemplo, tem o objetivo de promover a assimilação cultural e social dos grupos minorizados à sociedade majoritária. Então, esse método “não visa ao bilinguismo, apesar de usarem ou permitirem o uso das duas línguas durante um determinado período”. E ela acrescenta: “Na perspectiva de Lambert (1987), essa é uma orientação subtrativa de línguas”.
Existem algumas variações nesse programa quando há a inclusão de algum suporte linguístico, como aulas extras de ESL (English as a Second Language) – para os casos de inglês como L2 – ou didático, com a adoção de métodos e ferramentas específicas para facilitar o entendimento da L2. Estas alternativas podem ser denominadas de segregacionista, segregação forçada, sheltered classes (“aulas de acolhimento”), em que abordam a L2 de forma mais simplificada, ou pull-out classes (aulas de acompanhamento linguístico).
2º modelo: De Manutenção (ou Desenvolvimental)
Características: Manutenção da língua / Reforço da identidade cultural / Afirmação dos direitos civis
Já os programas de manutenção são semelhantes aos transicionais com a diferença que o tempo de contato com a L1 é geralmente maior nesse modelo. Assim, preservam a língua materna dos estudantes ao mesmo tempo em que desenvolvem a L2 no processo de ensino.
Nesse caso, há uma preocupação em manter a identidade cultural e os direitos civis dos grupos minoritários. Portanto, os estudantes não são pressionados a utilizar apenas a língua majoritária, mas são incentivados a adquirirem proficiência nos dois idiomas.
3º modelo: De Enriquecimento
Características: Desenvolvimento da língua / Multiculturalismo / Autonomia social
“São mais conhecidos como programas de enriquecimento porque têm uma orientação aditiva de línguas, isto é, as línguas minoritária e majoritária são vistas como um recurso para toda a população de alunos.”
Heloísa A. B. de Mello
Com algumas variações no contexto e na estrutura, os programas de imersão – de enriquecimento, de duas línguas, de duas vias -, assim como no modelo de manutenção, também têm objetivos pluralísticos, com foco em adicionar idioma(s) ao repertório linguístico dos alunos.
São incluídos também os programas de imersão total ou parcial, nos quais a L2 faz parte do cotidiano durante todo, ou quase todo, o período acadêmico. Aqui, grupos minoritários e majoritários dividem a sala de aula em 100% do tempo, sem a segregação em salas especiais (pull-out classes), como nos modelos anteriores.
Então, nesse modelo, existe uma troca de conhecimento utilizando-se ambos os idiomas. Ou seja, o grupo minoritário aprende a língua majoritária e vice versa. O intuito é que todos os idiomas sejam prestigiados no ambiente escolar e estimule boas atitudes entre todos os alunos independente do grupo a que pertence.
Educação bilíngue no mundo
Podemos afirmar que a maioria das escolas bilíngues no Brasil adota o modelo de enriquecimento, uma vez que o processo de ensino-aprendizagem acontece nas duas línguas, o que resulta numa adição e no fortalecimento de ambas.
E apesar de não haver um consenso entre os especialistas sobre o programa ideal, não podemos ignorar a importância do pluralismo cultural na formação do indivíduo na atualidade. O fenômeno do bilinguismo abre fronteiras linguísticas e culturais, orientando sobre as realidades sociais, políticas e econômicas que formam essa “aldeia global”.
Caso queira se aprofundar ainda mais no assunto, ouça abaixo o podcast que preparamos sobre este tema.
- Educação contemporânea: entenda os principais desafios! - 28 de abril de 2020
- Aula tradicional x CLIL: Entenda as diferenças! - 12 de março de 2020
- Como o uso do espaço escolar reflete na proposta pedagógica da escola - 28 de fevereiro de 2020
Pingback: Educação Bilíngue, possibilidades e desafios no Brasil